Sou carioca legítimo, mascido e criado na Cidade Maravilhosa, mas o Rio de Janeiro emjaneiro, definitivamente, não é minha pátria.
Não que eu me recuse a ir à praia, andar de bicicleta, freqüentar quiosques e beber litros e litros de mate (Gelado! Pois mate quente é coisa de gaúcho boiola...) direto da fonte (aquele latão de metal).
Nada disso. Sei entrar no clima. Mas é que o verão no Rio para quem não está de férias é algo que acaba com qualquer senso de humor.
Trabalhar ou mesmo se deslocar para o trabalho sob um sol sufocante de 40 graus no Rio de Janeiro é tarefa que mereceria até um projeto de lei criando a aposentadoria precoce.
Sim, acho que nós, habitantes dos trópicos, merecíamos trabalhar menos do que pessoas como meu amigo Maurício, que mora em Lages e freqüentemente comenta sobre caminhadas noturnas com um leve friozinho em janeiro após um delicioso jantar com vinho. Isto é parte de uma mensagem dele, enviada anos atrás, e que eu nunca esqueci – pois a li enquanto derretia em suores mesmo com o ar condicionado ligado.
Além do calor, tem as chuvas, como citarei abaixo. Chuva é algo que fica bonitinho visto de dentro de um quarto, embaixo de cobertas, com ar-condicionado e televisão. E, de preferência, uns snacks com vinho tinto.
Só que é o seguinte: chuva quando tentamos nos deslocar através dela, flagrados no meio do caminho sem guarda-chuva, bom, não há como definir. Só mesmo a cara que fiz há uns 15 anos, diante de uma namorada. Eu tinha passado um dia péssimo em Niterói, indo e voltando da faculdade. Existe por aqui e até em Niterói mesmo um velho ditado que dizia “Pior do que Niterói, só Niterói com chuva”. Naquele dia eu assinei o ditado embaixo. Pisei em poças grandes e pequenas pocinhas. O cabelo encharcou e secou dezenas de vezes (não que eu ligasse muito). Os tênis e as meias se fundiram em uma maçaroca de tecidos em volta dos meus pés, uma maçaroca gelada. Pelo menos cinco carros atiraram água suja e enlameada passando a 200 quilômetros por hora.
Atravessei a cidade de Niterói, a Ponte Niterói-Rio e o Rio até chegar à casa da guria. E, ao chegar lá, desabafei diante dela – que tinha passado o dia em casa, exatamente do melhor jeito de ver a chuva, debaixo das cobertas. Depois de um desabafo em que só faltou eu chamar São Pedro para a porrada, ela me diz a seguinte frase, com uma cara visivelmente decepcionada e um tom de bicho-grilo na voz:
- Eu não sei como você pode ter um sentimento tão agressivo e atroz por uma coisa tão natural quanto chuva. Desce o pano. Molhado.
Como acredito no potencial das listas, melhor fazer em forma de listas: 7 motivos para que eu não ache o verão esta festa toda – ou, melhor dizendo, 7 motivos para detestar o verão.
1- CASAMENTO DE VIÚVA
No caso do Rio, o verão tem essa particularidade irritante: você sai de casa sem guarda-chuva, debaixo de um sol de Saara, e de repente leva um pancadão de água na cabeça;
2- RODELAS
Não é o meu caso, porque me previno com o velho e bom banho, um bom desodorante e ainda uso uma camiseta branca por baixo da social (o calor não fica maior nem menor). Mas é deprimente ver as pessoas com aquelas rodelas embaixo do braço. E mais deprimente ainda quando elas nos proporcionam odores semelhantes ao do escritório de um taxidermista (acho que desde que vi o episódio abaixo do Pica-Pau que eu não usava esta palavra).
3- ROUPAS
Por mais que você lute, qualquer roupa vai te deixar com calor. Já no inverno, é diferente. Você escolhe a roupa e se apresenta melhor.
4- PROGRAMAÇÃO
No verão, torna-se suicídio escolher um programa em local sem ar-condicionado. Qualquer lugar sem ar, ou mesmo ao ar livre mas com restrições (tipo, “aberto”, como certos barezinhos) se torna o Inferno de Dante.
5- A ALEGRIA INCONTIDA
As TVs parecem querer nos convencer que tudo está maravilhoso. Creio que é influência do “Here comes the sun” dos ingleses – estes sim, precisam soltar fogos por causa do surgimento de um sol de 40 graus. Não vejo as TVs criarem símbolos para celebrarem a piedade, a clemência, quando a temperatura cai para níveis humanos em maio ou junho. Só vejo um maldito solzinho nas campanhas de verão e nas “programações de verão” de filmes e programas “jovens”. A associação de “verão” com “jovem” também é irritante, porque se baseia e consolida logo em seguida uma tese meio furada: a de que “jovem” não trabalha, fica o dia todo surfando. Aliás, eu nunca entendi o gigantesco nicho de mídia existente para o público de surfe. Em cada praia, do total da população, qual a porcentagem de surfistas? Qual a última vez em que você foi assistir, in loco, a uma competição de surfe, na arquibancada, torcendo e gritando “Tu és/Surfista de tradição/Raça, amor e paixão”? Quando você conseguiu assistir na TV a um programa sobre surfe INTEIRO, do início ao fim, sem que fosse apenas um programa apresentado pela Dora Vergueiro e pela Luiza Althenhoffen seminuas (aí não se trata de surfe)?
6- PRONTO PARA SUAR
No verão, o sujeito toma banho – seja quente ou frio – e sai do chuveiro, se enxuga e começa a se arrumar para trabalhar. Se o sapato ou a meia ou uma calça específica demandarem mais de cinco minutos de procura – é comum ter dificuldade de achar um par de meias – o sujeito JÁ ESTÁ SUADO e pronto para voltar pro banho. Aí ele olha para o relógio e pensa: “Fudeu”. Já vai ter que sair suado de casa.
7- A OBRIGAÇÃO DE SER E ESTAR "VERÃO"
No verão, o cara que não está com saco de ir à praia vira um paria. Quem fala mal do calor abrasivo do Rio de Janeiro é tido como um subversivo perigoso. Se reclamarmos do sol inclemente que transforma capôs de carros em chapeiras de hambúrgueres somos perseguidos como bruxas na Idade Média. No verão, somos cafonas se não gostamos de andar por aí descalços e com uma latinha de cerveja quente na mão – hábito que tende a se tornar freqüente no carnaval. Como consegui encontrar uma praia razoavelmente civilizada recentemente, não tenho sofrido muito com isso. Mas continuo acreditando no direito de não ir à praia.

