
Muito se fala sobre beijo gay em novelas. Existem mil opiniões sobre o assunto e a falta de tal cena parece, ou no conjunto de opiniões, faz parecer que só sua exibição fará com que o preconceito caia por terra e todos, finalmente, possam viver felizes para sempre. Não acho que isso vá acontecer tão cedo e fico decepcionado por não notarem os esforços que dramaturgicamente são feitos para que o assunto faça parte dos debates diários. Dessa forma, um dia, quando for exibido em rede nacional, quem sabe o beijo gay não seja o inicio que todos imaginam, mas o final de um drama de várias gerações?

Não é de hoje que as novelas brasileiras apresentam o tema em suas tramas, e ainda assim, o folhetim é muito cobrado por alguns que acreditam que só falar no tema, e não se aprofundar ao não mostrar carícias entre os companheiros de mesmo sexo, é errado. E existem os defensores da “moral e bons costumes” que também defendem que o tema não deve sequer ser abordado. Mas acredito que o pior de tudo é achar que não estamos evoluindo no assunto. Personagens homossexuais estão presentes na dramaturgia nacional desde a década de 70. O primeiro registro que se tem é da novela Assim na Terra Como No Céu, 1970, escrita por Dias Gomes. Não existiu no contexto da novela uma exploração da trama gay, mas houve a inclusão de um personagem, o que para época, acredito que tenha sido uma coragem do autor. O Rebu de 1974, escrita por Bráulio Pedroso, é a primeira novela em que ficou subentendida uma relação entre dois homens. Já para quem acompanha a reprise de Vale Tudo, é bom ressaltar que foi discutida pela primeira vez a união civil e a sucessão de bens por pessoas do mesmo sexo. O que mais pode assustar é que desde 1988, primeira vez que Vale Tudo foi ao ar, até os dias de hoje, pouca coisa ou quase nada mudou sobre esse assunto. Se for para comparar, outros países já permitem o casamento gay e o Brasil, ao mesmo tempo que tenta avançar em relação aos mesmos direitos, tem medo e permanece no impasse.

Não posso esquecer que Silvio de Abreu tentou por duas vezes tratar do tema em suas novelas, mas só em uma foi bem sucedido. Em A Próxima Vítima, 1995, existiu um casal gay e inter-racial. Para uma sociedade tão preconceituosa quanto a nossa, o autor carregou nas tintas e fez um ótimo trabalho. Sandrinho (André Gonçalves) e Jefferson (Lui Mendes) formaram um casal bastante comentado na época, mas não sem dispensar as devidas polêmicas. Vale lembrar que o ator André Gonçalves foi vítima de agressão, por interpretar um personagem homossexual. Mas a não aceitação voltaria a cena em Torre de Babel, 1998. O público não gostou de ver Christiane Torloni e Silvia Pfeifer vivendo o casal lésbico Rafaela e Leila. Tanto que foi tirado de cena, mas não sem uma mensagem “subliminar”. O enredo de Torre de Babel mostrava a explosão de um shopping e isso aconteceu no exato momento em que Rafaela contava para sua companheira que elas eram vítimas do “maldito preconceito“. Assim, o shopping explodiu, acabando prematuramente com o casal.
Assista a explosão do Shopping em Torre de Babel:
Em tramas mais recentes como Mulheres Apaixonadas, o público foi apresentado ao relacionamento de duas meninas: Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli). Antes mesmo de opositores entrarem em cena, a novela mostrou como é dura a vida dos adolescentes que se descobrem gays, que além da pressão da sociedade também tem que lidar com a rejeição familiar. Foi mostrado durante o enredo a homofobia que as meninas sofreram de uma “colega” de escola, Paulinha (Roberta Gualda). Lembro que durante a novela de Manoel Carlos existiram muitas donas de casa defendendo o casal, mas também declararam que não queriam assistir aos beijos e carícias entre as duas. Para o ano de 2003, a trama foi bastante corajosa, já que mais do que tolerância, a mensagem da novela foi mostrar que existem muitas barreiras no caminho do beijo… que o autor simbolicamente fez acontecer, apesar disso. Durante o último capítulo, na apresentação de um trecho da peça Romeu e Julieta, mais precisamenten a cena final entre os dois apaixonados, Clara substituiu Rodrigo (Leonardo Miggiorin), que após um acidente de moto não pôde atuar, e recebeu o beijo de Rafaela, que vivia Julieta. Pode não parecer, mas existe muita poesia nessa cena vivida pelas duas.
Dois anos depois o foco sobre os casais homossexuais começou a mudar. A questão saiu do beijar ou não beijar para a possibilidade de adoção. Um casal de mesmo sexo pode adotar uma criança? Em 2004, Senhora do Destino, de Aguinaldo Silva, tratou desse tema. Na trama, o casal foi vivido por Jenifer (Bárbara Borges) e a médica Eleonora (Mylla Christie). As duas se apaixonam e sofrem resistência da família, mas que acaba aceitando a relação das duas. A grande questão do casal apareceu quando um recém nascido foi abandonado e Eleonora, como médica, cuidou da criança. Não demorou para as duas terem a vontade de adotar o bebê. Aí a real questão começou aparecer. O beijo não deixa de ser menos relevante, mas enquanto não se chega uma conclusão, outros temas tão importantes quanto, são abordados em nossas novelas.

Durante toda a ultima década, várias tramas trouxeram um personagem ou núcleo onde os gays estavam presente. Uma das principais polêmicas se deu na novela América, exibida em 2005, quando Glória Perez prometeu exibir o primeiro beijo homossexual, que por censura interna da emissora, não aconteceu. Desde então o tabu sobre o beijo se instaurou em nossa dramaturgia e na programação nacional, em todas as emissoras. Infelizmente esse assunto acabou recebendo uma importância maior do que outros temas abordados, sobre esse mesmo universo. Mas assim como na época em que a censura reinava em nosso país (hoje em dia podemos chamar de classificação indicativa), os autores e compositores sempre usaram a criatividade para falar tudo aquilo que não era permitido e de uma maneira inteligente.
Em Paraíso Tropical, 2007, por exemplo, Gilberto Braga trouxe um casal gay e estável. O autor achou que tratar com naturalidade era melhor e optou por não mexer com maiores polêmicas sobre o assunto. Durante a trama o casal deu apoio aos outros casais que enfrentaram os problemas naturais de novela. E ainda existiram cenas de ciúme entre os dois, mas tudo no melhor bom gosto. A novela pôde mostrar que relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, quando excluído o preconceito, passa pelos mesmos dilemas dos casais heterossexuais.

Esse texto foi pensado em cima de uma cena da novela Ti Ti Ti. Quando Thales (Armando Babaioff) fez uma declaração de amor para Julinho (André Arteche) e eles deram um simples abraço. Mas antes de chegar até esse momento é preciso voltar ao primeiro capítulo da trama, exibido no dia 19 de julho de 2010. Julinho e Osmar (Gustavo Leão) caíram nas graças do público, mas Osmar teria que morrer para a história de Marcela (Ísis Valverde), Edgar (Caio Castro) e Julinho pudesse acontecer. Durante todos os meses no ar vimos o personagem do ator André Arteche sofrendo pela morte do amado em segredo. Já que o pai de seu ex não aceitava o filho ou seu companheiro e tentando esconder a verdade de sua esposa Bruna (Giulia Gam) fez com que Marcela se passasse por ex-namorada do filho morto. Um verdadeiro novelão, mas que foi conduzido com o maior respeito e carinho possível. Maria Adelaide Amaral criou uma história que não se fazia presente na versão original de Plumas e Paetês e conseguiu com que o público ficasse ao lado do personagem. E como o beijo entre dois homens não é permitido, Julinho ganhou uma bonita declaração de amor. Sim, o personagem ganhou uma linda declaração, já que Thales era um homossexual que não se aceitava e teve que encarar o próprio medo para tentar viver o amor ao lado do cara por quem se apaixonou. A cena foi uma das mais bonitas que já vi. E chamou minha atenção o conteúdo que ela carrega. O amor não pode ser negado. Não existe, ainda, nenhuma lei que proiba a exibição de uma cena onde um homem pode se declarar apaixonado e perdidamente louco de amor por outro. É nesse ponto que a censura mostra o quanto é ignorante, assim como a grande massa que luta para a cena de beijo não ir ao ar.
Assista a bela declaração de amor feita em Ti Ti Ti:
E se nos achamos tão inferiores nessa abordagem sobre o beijo e outros elementos da sexualidade, é importante notar que nos Estados Unidos, o primeiro personagem gay jovem apareceu em 1992 na novela One Life to Live e foi vivido pelo ator Ryan Phillipe. Depois desse primeiro momento as séries começaram a trazer um personagem ou uma história onde o tema era abordado. O primeiro beijo Gay foi dado em Dawson’s Creek em 1999. Jack McPhee (Kerr Smith) beija Ethan, na terceira temporada da série.

Sabemos que Dawson’s Creek foi uma série divisor de águas sobre a adolescência. Assim como Barrados no Baile (Beverly Hills, 90210) também foi para uma geração. Vários temas, tabus ou não, foram tratados nessas duas séries. Lógico que com o passar do tempo outras produções do mesmo gênero também abordaram, do seu jeito, o homossexualismo. Posso citar: One Tree Hill,90210, Pretty Little Liars, Greek e Glee.
Quem assiste a Brothers & Sisters sabe que o drama de Kevin Walker (Matthew Rhys) foi o inverso de muitos personagens nas séries, já que sua mãe, Nora (Sally Field), aceita, apóia o filho e quer que ele namore e seja feliz. A série, que tem um jeito de novela, sabe dosar o tema e de maneiras que surpreende.

Também não podemos esquecer que séries sobre o universo gay também já existiram por lá. Em 2000 o canal Showtime exibiu sua adaptação de mesmo nome da trama Inglesa de 1999, Queer As Folk. A trama acompanhava a vida de Brian, um homossexual assumido e seu grupo de amigos. Além do novato Justin, que aos 17 anos começa a buscar um universo aonde se sentisse compreendido. E depois do sucesso da série dos rapazes veio, no mesmo canal, em 2004, a série The L word. Dessa vez o foco eram as mulheres, lésbicas ou bissexuais e todos os seus dilemas amorosos.
No Brasil certas abordagens são mais complicadas de acontecer. Selinhos já foram exibidos em alguns horários e censurados e outros. Mas devemos olhar com carinho momentos como esse que foi exibido em Ti Ti Ti, às 19h. E perceber que a passos não tão lentos, estamos caminhando. Cada um a seu tempo.
